segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Auto da Compadecida

Realmente não há muito a se dizer dessa peça. A adaptação para as telinhas por Guel Arraes foi muito fiel ao livro. Apenas deram jeito em algumas sutilezas. Por exemplo, eliminaram três personagens que existiam na peça: o frade, o sacristão e um demônio. De quebra, colocaram um valente só para ilustrar a falsidade da mulher do padeiro.

Também foi muito sutil o caso da bexiga com sangue. Na peça, o Grilo faz aquilo para se vingar da patroa e é isso que vai condená-lo no julgamento. Nas telinhas tiraram essa parte por censura e a usaram no caso do Grilo disfarçado de Severino de Aracaju e Chicó ia ser o valente a sangrá-lo.

Aliás, a parte onde mais sentimos as sutilezas é no julgamento. É lá onde todas as coisas que foram mudadas anteriormente acabam mudando de fato a peça. Na peça, todos são bem justificados e realmente ficam a merecer seu lugar no purgatório. Na adaptação, eles ficam mais por causa da misericórdia divina do que por qualquer outra coisa.

Um grupo de personagens que mal aparece aqui, mas é citado no filme é o do Marjor Antônio Moraes, sua filha, o valente (já citado) e o policial. Não sei ao certo, mas acho que eles contam tentam contar a história do Santo e a Porca, também de Ariano. Vai ver que é por isso que fica tudo meio embolado no filme.

Ah, na peça há também um narrador. É um palhaço que vem e volta. Praticamente um João Grilo II, mas que sabe de tudo que se passa. Sua função é mais animar e dar tempo para as mudanças de cenário, mas mesmo assim gostei dele.

Nah, queria só falar mal de como todo mundo é martirizado na adaptação. O julgamento é a prova disso. Na peça, todos são justificados por um pensamento racional (pecaram, mas também fizeram boas ações, então vão para o purgatório). Os cangaceiros vão para o céu porque são coitadinhos na adaptação. Na peça vão porque são um instrumento de cólera divina. E, por fim, o João dá uma de piegas na adaptação e se diz condenado indo em direção ao inferno. Ora, na peça o amarelo nunca desistiu de salvar o seu couro, por que iria desistir agora que tinha a melhor das advogadas?

Enfim, é legal ler a peça porque é bem rápido; basta uma tarde. Mas é meio impossível você não comparar com o filme e fica meio que enfadonho ler aquilo que você já viu. Mesmo assim ainda vale a pena.

ps: e também li numa edição belíssima da Agir. É um dos poucos livros da biblioteca que deu vontade de roubar porque é bonito, mas sou um bom rapaz e não faria isso.

sábado, 22 de novembro de 2008

A Verdade das Mentiras

Mais um livro que vai para minha sessão de 'livros escolhidos ao acaso' na biblioteca. Parece que sou realmente bom nisso, porque este também me surpreendeu. Quando o peguei, achei que era somente um livro de um escritor peruano de renome analisando os seus 35 romances prediletos (bem naquele nível de comentário: "adorei o suor escorrendo naquele close na bunda cabeluda do turco). Apesar do nome brega, a proposta de Mario Vargas Llosa é bem clara: analisar mesmo 35 romances do século XX que trazem consigo o melhor do que pode haver num romance, que é a arte de convencer e de fazer o leitor se sentir bem. Basicamente, ele propõe que um romance deve mentir para nos atrair e que só assim podemos ficar felizes.

É bem legal. Pelo menos para quem já leu aqueles livros (alguns, ok), é interessante para ver um ponto de vista diferente. É a visão de quem estudou o livro e quis por meio daquele livro estudar o romance do século XX de forma geral e que ao mesmo tempo dá sua opinião casual. No começo parece meio improvável que ele vá conseguir cumprir a promessa do título, mas não é que ele a leva até o fim. Além disso, ficamos por dentro de 35 livros que realmente merecem alguma atenção (foi lá que fiquei sabendo d'O Estrangeiro de Camus).

Muito bom livro para quem gosta de ler sobre literatura (e que deu o sopro vital para que meu ante-projeto finalmente fosse para o papel). Enfim, leiam!

terça-feira, 18 de novembro de 2008

O Estrangeiro

Soube deste livro por causa de um livro maravilhoso de Mario Vargas Llosa que estou lendo. Confesso que não me interessou muito saber da história do monsieur Meursault pelo que foi dito por Llosa. Basicamente, ele é um homem indiferente a tudo e sem aspirações nenhuma que um dia acabou fazendo algo que deu uma certa guinada em sua vida (sei que isso não faz o menor sentido, mas se eu disser mais vou acabar caindo num spoiler). Lembrei do livro quando fui obrigado a ficar uma hora solitário na Livraria Cultura. Que fazer? Fui dar uma olhadela.

Pior que nem esperava nada de um plot que não pode ser explicado sem spoilers, mas acabei lendo um terço do livreto naquela hora. E, wow, praticamente não vi o escritor d'A Peste naquilo. Encontramos nele o monsieur Meursault que apesar de ser incapaz de sentir qualquer emoção (um Dexter francês) ainda consegue atrair nossa atenção. Ele não parece de todo errado em sua indiferença em relação ao mundo. Só não tem crenças e nem muita vontade de conviver com todas aquelas pessoas que têm aquela necessidade absurda de mostrar que é um ser humano ao dar espaço às suas emoções (e, sim, demonstrar obrigatoriamente que se é um ser sensível aos outros pode ser um saco).

Uma vida que é uma droga não precisa de espaços para emoções. O mesmo vale para um vida completamente simples e padrão (pois se espera muito mais atos que sentimentos dessas pessoas). O narrador personagem poderia ter vivido ainda alguns bons anos se acaso não tivesse calhado de matar um árabe por causa do sol. Yup, ótima justificativa para se matar uma pessoa. Noto que acabei soltando um detalhe que divide a história, mas, sinceramente, isso não importa. Até a contracapa do livro diz isso estragando a surpresa.

Surpresa mesmo é o seu julgamento. Por que se julga um assassino? Imagino que seja para fazê-lo pagar de alguma forma por um crime que ele cometeu. Mas ali tínhamos um réu confesso e que apenas aguardava a escolha de seu destino. Sim, ainda indiferente. Não sei ao certo porque, mas no fim acabei lembrando de Julien Sorel de Stendhal. Ia ser curioso imaginar os dois frente a frente no último momento. Que diálogo egoísta os dois seriam capaz de compor juntos, hein?

Mas após estragar todas as surpresas o que ainda se pode dizer do livro (quase um conto)? É muito bom. Tipo, bom mesmo. Mesmo no sentido de que mesmo sabendo da história podemos pegá-lo e lê-lo de um só fôlego. Ao fim iremos nos julgar na figura de Meursault e também julgaremos seus inquisidores. É complicado não fazer isso. Principalmente talvez esse seja todo o ponto da história e que é quando separamos Meursault do resto que (obviamente) nota-se o porquê dele ser estrangeiro.

Enfim, vale a pena ser lido e, de certo modo, mostra que Albert Camus talvez tenha algo muito bom a dizer em alguns momentos. E é melhor terminar antes que eu acabe escrevendo um post maior que o livro.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Time stands still at the Iron Hill

Acho que esse é o oitavo post que começo e desisto no meio. Se eu não desistir isso deve significar alguma coisa (vai lá saber o que). Hoje eu realmente parei para assistir televisão e de repente fui atingido por um pensamento bombástico. Havia muito tempo que eu não assistia televisão. Muito tempo mesmo. Eu praticamente tinha me transformado num daqueles experimentos fracassados de pessoas metidas que dizem que não assistiam televisão e que viveriam sem ela. De repente comecei realmente a viver sem ela quando comecei a me isolar completamente do mundo em um pico isolado e infernal em minha terra (mas realmente sinto muita falta de ver os gols do campeonato sem precisar esperar uma longa barrinha encher [e sem precisar sonhar em ver o Neto de surpresa enquanto estiver trocando de canal {o que me leva a pensar se realmente a Band precisa daqueles comentaristas torcedores paulistas? Eles realmente atraem o ódio de todo o resto do Brasil que não torce pro Corinthians}])

Enfim, bastou ver o William Bonner envelhecido para notar quanto tempo fiquei sem ver Globo. Só de vê-lo me senti envelhecido e finalmente descobri um bom motivo para não assistir nada Globo (ou qualquer outra emissora com programas estáveis [a não ser o SBT porque o Sílvio Santos nunca envelheceu para não constrager nenhum telespectador]). Pior é que realmente fiquei constragido quando falaram do Obama lá. Preferia que simplesmente esquecessem toda essa história de primeiro negro e tudo mais; já me basta o stumble enchendo o saco com isso (coisa parecido só vi na eleição de Lula [sim, sou velho o suficiente para lembrar dela]). Não importa, Bonner roubou minha atenção com seus comentários dignos de dono de barraquinha de cachorro quente de jogo de futebol. Fiquei apenas pensando 'will he ever retire?'. Bem, acho que não (jornalista bom é jornalista morto! oh yeah!).

ps: fico pensando se já escrevi algo com tanta digressão e falta de sentido assim?

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Neverwhere

É só pegar o livro e ler na capa mais uma comparação com Alice no País das Maravilhas. Isso significa muita coisa. Assim já sabemos que vai acontecer uma viagem e uma pessoa vai sair de seu dia-a-dia normal. Wow, disse tudo hein. O legal é que essa classificação envolve histórias como a de "Ferris Bueller's Day Off" (Curtindo a vida adoidado, se não estiver errado) e Senhor dos Anéis. Alice é um ótimo livro, mas essa coisa de tomá-lo como medida de todas as coisas é meio, hã, errada.

Neverwhere conta a história de Richard Mayhew e como ele fez uma viagem fantástica a uma Londres mágica que existe embaixo da verdadeira. Por ajudar uma jovem que estava sendo perseguida, Richard passa a ser parte da Londres Inferior e começa a ser completamente ignorado pelos londrinos superiores. É enfrentando e andando por lugares esquecidos (além de tropeçando em alguma piadas londrinas que para mim não significaram nada) que Richard faz o seu caminho e sua história.

Ok, agora com esse resumo, volta a dúvida: o que diabos isso tem haver com a Alice? Chuto que seja a equação: "pessoa => viagem maluca". Nem preciso dizer que isso não é uma equação válida.

Neverwhere, apesar de fantástico, se passa nos esgotos e subterrâneos de Londres. Locais que foram esquecidos são seus cenários. Lá embaixo uma civilização inteira de pessoas perigosas e coisas irreais têm lugar. Mas é exatamente isso que difere de Alice. As coisas são fantásticas, mas lógicas. Elas foram se acumulando lá embaixo, mas foram ocupadas por habitantes que estabeleceram domínios. Tudo é meio magicamente óbvio. Earl's Court deixa de ser um lugar para ser uma corte. A Nightbridge faz jus ao nome e por ai vai. É uma lógica bem legal (apesar de fazer muito mais sentido pra quem esteve em Londres e é por isso que tem um mapa da cidade no livro).

Agora, depois de protestar, posso confessar que desde que li Pedra do Reino e assisti aquele seminário que eu estava cabreiro com Neil Gaiman. Eu achava ele o máximo, mas depois desses eventos pensei: "o que há de bom nele?" Ai decidi ler Neverwhere para procurar descobrir se ele é bom ou é só mais um best seller vazio. Wow, ainda bem que me vi errado na desconfiança.

Gaiman é realmente bom. Pode não ser um mestre na forma e estar mais próximo de King que de um Saramago. Mas ele é genial nas sacadas. A criatividade fantásticas para trazer histórias bonitinhas cheias de um mistério, uma sabedoria esquecida e aventura parece realmente ter nascido com o escritor Gaiman (e aqui gostaria de lembrar que o roteirista é diferente. Nos quadrinhos ele faz algo mais próximo ao terror e ao gótico. Mas não tão bem. Ele beira um senso comum [ou então foi responsável por estabelece-lo]).

Enfim, acho que ele traduz bem a fantasia moderna e Neverwhere é um excelente exemplo. Não importa que seja previsível, o legal é seguir os passos de Richard naquele universo fantástico. E lembrando de uma frase de ETA Hoffman que o Gussie me mostrou, encerro: "people will very soon cease to believe in fairies once they begin to walk among them".