segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Laranja Mecânica

Comprei esse livro aproveitando uma dessas promoções imperdíveis da amazon. Pena que enrolei tanto para começar a ler. A edição especial de 50 anos é belíssima com direito a capa dura, ilustrações e mais. Nos extras há até um glossário (que só descobri tardiamente e tirou algumas dúvidas) e outros textos de Burgess discutindo o seu próprio sucesso. A tradução também está de parabéns nesse livro. 

O livro é narrado em primeira pessoa por Alex, um adolescente que faz questão de contar tudo em sua língua de gueto, o nadsat. Antes de iniciar o livro, os tradutores explicam algumas expressões e escolhas utilizadas para expressões de nadsat (que basicamente mistura inglês com russo). E mesmo assim, fui surpreendido por um texto carregado dessas expressões. Acho que só senti algo semelhante quando li Grande Sertão. 

Ainda que inicialmente chocante, logo nos acostumamos com a linguagem e vamos acompanhando o jovem Alex em sua rotina de ultraviolência, que dominava as noites da cidade. Mesmo sendo o narrador, ele não se poupa de detalhes das atrocidades cometidas por ele e seus amigos. Até que um dia algo dá errado e o jovem é traído e preso. Até criamos alguma expectativa de que ele vá mudar na prisão, mas o narrador nunca muda. Seu pensamento é exatamente como no começo do livro.

A discussão que o livro propõe também é curiosamente moderna. Jovens violentos, marginalizados, bandidos. Há os que achem que bandido bom é bandido morto. Que esses jovens não podem ser recuperados. São uma geração perdida. Mas essas mesmas pessoas "de bem" não percebem a crueldade de seus desejos. Elas só desejam segurança, mesmo que o preço seja destruir essas "pequenas sementes do mal" de qualquer maneira possível.

Nesse quesito, Laranja Mecânica envelheceu bem. Sua crueldade urbana e juvenil ainda é moderna. Sua sociedade "do bem" é cheia de dúvidas, incertezas, manipuladores e medo, o que serve de justificativa para reações violentas da sociedade contra seus contraventores. Há quem pregue que essa é a solução para os que vivem a margem da lei, mas a solução em si não é foco do livro. O foco aqui é um jovem marginalizado que é agente da violência de seu tempo e depois vítima da reação da sociedade, que não parece tão diferente do jovem em si.

Laranja Mecânica é um excelente livro sobre violência. É um clássico muito atual no Brasil e vale muito a pena ser lido. Alguns podem ter dificuldade na linguagem inicialmente, mas com um pouco de esforço isso é superado. Aconselho especialmente essa edição de 50 anos, mas parece que ela anda meio difícil de ser encontrada. Há também o filme de Kubric que parece ser bem fiel ao livro, mas cada mídia tem uma experiência diferente.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

The Gift of Rain

Peguei esse livro na amazon quando estava expandindo minhas leituras para o oriente. Fui surpreendido pelo fato de que o oriente em questão era China, nem Japão e nem Índia. Aparentemente, existem outros lugares no oriente, sendo um deles a Malásia, que, por sinal, é o local de origem do autor.

O livro se inicia quando um homem idoso e solitário recebe a visita de uma estranha. Esses dois nunca haviam se encontrado antes, mas possuíam uma pessoa e um hobby que unia seus passados. O hobby era o aikido e a pessoa, professor de ambos, é apresentado de forma enigmática como Endo-san.

O homem inicialmente nega em contar o que houve com Endo-san durante os anos da guerra, mas após relutar por algum tempo, ele aceita. O homem é Philip Hutton, herdeiro de uma das famílias mais ricas de Penang, ilha na Malásia. Sua família possuía terras e bens que vinham desde a colonização britânica na ilha. Mas o detalhe curioso é que ele é filho de um inglês com uma chinesa, coisa rara na época e que o fez sofrer diversos tipos de bullyings.  A mulher era uma antiga paixão do tal Endo-san e que perdeu o contato com ele antes dele sair do Japão para começar seus trabalhos com a preparação da guerra, mas sua importância é quase mínima.

O que se segue no livro é o drama da família Hutton e o crescimento pessoal do jovem Philip, como artista marcial, filho, amigo, diplomata, traidor, espião, entre outras coisas. A história contada pelo velho Philip deveria ser sobre Endo-san, mas após terminá-la, ele próprio acaba reconhecendo que a história é mais sobre ele mesmo e como Endo-san salvou e condenou sua vida ao mesmo tempo.

O autor Tan Twan Eng conseguiu nessa obra fazer um livro de guerra que não é um livro de guerra. Não se enganem, a guerra chega e passa, mas é quase um personagem secundário. As dúvidas e o medo constante acabam falando mais alto do que a violência em si. Como o próprio personagem admite, a visão constante da violência o fez ficar apático a ela. O que ele podia fazer apenas era vazar informações e desviar o olhar, que é expressa aqui:

"And I realized then that there was an emotion worse even than the sharpest fear: it was the dull feeling of hopelessness, the inability to do anything".

Mas o futuro conta que as ações do jovem Philip ajudaram muitas pessoas. Sua reputação é no mínimo controversa por ter trabalhado para os japoneses, mas ao mesmo tempo por ter vazado informações que salvaram muitas pessoas. Sempre sobram aqueles que "acham" que ele deveria ter salvado a todos.

Por fim, the Gift of Rain é um bom livro, nos faz pensar num período que cada vez mais nos é distante e estranho. Mas sua principal mensagem é sobre multiculturalismo, amizade e destino.