Esse eu posso chamar de tijolo sem medo de ser feliz. Também posso a recomendar a qualquer pessoa sem nenhum medo de ser feliz. Coincidências? Mas isso nem importa; o que vale é que eis aqui uma obra que posso dizer "wow" de boca cheia. Uma obra com uma carinha de América Latina. Será que deveria dizer sertaneja? Não creio. Assim estaria deixando Ariano Suassuna no mesmo patamar que os 99% dos autores chatos e ruins que povoam minha terra e tentam nos sufocar com um regionalismo bobo do tipo ‘o que é daqui é melhor que o seu, lero lero’.
Por que Ariano sai desse povão? Bem, primeiro temos aqui uma obra com alguma preocupação estética (sim, as pessoas na minha terra acham que reler significa ‘deixar de fazer uma obra pura e sua’. Eu prefiro coisas boas a coisas puras). A Pedra do Reino conta a história de Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, o Decifrador. Na verdade, ele é um cantador e burocrata dono de bordel sem grandes perspectivas, se olharmos de fora. Para si ele é o quinto Rei da Pedra do Reino, o verdadeiro Império do Brasil. Dom Quixote? Talvez, mas o cavaleiro da triste figura busca coisas diferentes do rei Dom Pedro IV.
Dom Quixote poderia ter sido cavaleiro dos que desejava ser se tivesse nascido umas boas centenas de anos antes. Já o Quaderna estava impressionado com a história de seus ascendentes que 100 anos antes haviam formado o verdadeiro Império do Brasil na Pedra do Reino. O antigo império havia lavado com sangue duas místicas pedras que eram o castelo do Reino, mas fora derrotado em pouco tempo e sua história esquecida.
Quaderna, assim como Dom Quixote, quer reviver esse tempo e os privilégios que sua família possuiu. Mas não nasceu para soldado e sua coragem deixava muito a desejar. É quando durante uma conversa com seus tutores, amigos e parasitas, Samuel e Clemente, ele descobre que há uma forma de reaver a glória perdida. Ele e só ele poderia ser o Gênio Máximo da Humanidade e escrever a Obra da Raça. E não é que o desgraçado consegue!
Sua obra se propõe a contar uma história de aventura, amor, sangue, vingança, fantasia, religião, mistério e glória. Nisso o Quaderna opta por contar sua própria história, começando com o que o leva a estar ali preso em 1938. É engraçado como muita realidade se mistura na ficção aqui. Tanto para o leitor quanto para Dom Dinis. Samuel, integralista (ou armorial, embora segundo o próprio Ariano isso seja questionável), e Clemente, comunista, ajudam muito nessa confusão de datas, citações e eventos semi-históricos que mostram uma realidade sertaneja sem aquelas perebas, fomes e mortes. Aqui tudo precisa brilhar.
Encontramos nele uma obra sertaneja e universal. Como me disseram lá no seminário de literatura, esta seria a obra máxima do barroco brasileiro, mas cá tenho minhas dúvidas sobre isso. Só sei que é o melhor livro escrito em português que já li. Além disso, só por curiosidade, Ariano Suassuna é realmente muito gente boa e um moooonstro de formação clássica. Penso que sua literatura merece mais reconhecimento que suas interpretações globais. Enfim, Tiro meu chapéu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário