sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O Suicida

E no dia seguinte ele decidiu morrer. Não que no dia anterior tivesse acontecido qualquer coisa que o fizesse ter vontade de terminar aquela breve aventura chamada vida. Na verdade, esse era um de seus problemas. Nada lhe acontecia. E por ter uma vida tão cheia de nada, no dia seguinte ele decidiu morrer.

Antes disso precisava escrever uma carta que explicasse a todos o que o fazia dar cabo de si. ‘A todos quem, oras?’ pensou. Não havia ninguém a quem precisasse explicar o seu ato. Ainda assim, por desencargo de consciência, uma explicação seria bem vinda. Como ele sempre achou conversar consigo próprio é coisa de louco, calhou de escrever algo para si para ver se aquilo lhe bastava para dar aquele passo (para frente ou para trás? Àquela altura essa dúvida nem tinha mais importância).

Comprou uma resma de papel mesmo precisando apenas de uma folha. ‘Posso precisar passar a limpo’ pensou. Afinal, a última coisa que queria é que alguém tentasse ler seu último escrito e não conseguisse por estar ilegível ou garranchado. ‘Alguém quem, oras?’ censurou-se.

Caneta e papel em mãos, agora tinha que apenas deixar fluir seu pensamento. Sim, caneta porque para essas situações não se pode deixar como última obra um papel impresso que qualquer um faria até por brincadeira (e, na verdade, acreditava que muitas vezes os pensamentos de suas mãos eram muito mais claros que os seus próprios). Aquelas seriam as últimas palavras traduzidas em desenhos de quem deixava para trás esse tormento chamado vida; estariam todas carregando suas últimas emoções. Gostou de pensar em tormento e por ele começou sua carta.

Porém o tormento não lhe bastou para que se desse cabo. Pensou que muitos sofrem por ai e nem por isso saem fazendo o que iria fazer. Sentia dor da posição em que sentava. Isso a dor dos que vivem neste mundo ingrato. Conflito, dor, insatisfação. Estes eram bons motivos. No entanto, nisso havia um pequeno problema. Não se sentia em conflito com nada. E aquela sua dor estava longe das que as mulheres sentem no parto, então seria pouco nobre achar que ela valeria uma vida.

Mas claro! Como se havia esquecido dela? A solidão lhe era um bom motivo. Não tinha para quem nem com quem viver neste mundo. Isso lhe sairia bem, mas lembrou que no seu egoísmo viver para e com alguém era uma grande bobagem. Bobagem essa só superada pelo que iria fazer se usasse aquilo como motivo.

Pensou em investir mais uma vez na insatisfação que já havia esquecido, mas achou que se já a havia esquecido é porque ela nem valia a pena. Tentou finalmente a simplicidade. A tristeza era o seu maior trunfo e ela se bastava em si. Logo percebeu que tristeza nenhuma se basta em si e que ele estava novamente sem bons motivos.

No fim, lá ia ele pela vigésima ou trigésima folha sem que nenhuma lhe tivesse trazido um motivo convincente. Acabou desistindo até achar um bom motivo. Teve três filhos e escreveu duas autobiografias. Quando se matou, anos mais tarde, estava agarrado a uma crítica literária de sua última autobiografia.

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