quinta-feira, 9 de maio de 2013

Amanda

- Por que você não têm cabelos?

Por mais que ser estranho numa universidade seja algo bem aceito e até almejado, existem tópicos que não devem ser tocados. Ao fazer a singela pergunta, Apolinário tocava em alguns deles. Claramente, Amanda tinha um problema e seria sensível não apontar para ele. Pena que sensibilidade nunca havia sido um forte em Apolinário.

Sua pergunta lhe rendeu uma parceria para um trabalho em grupo. Este sempre foi um ponto fraco seu, pois poucos queriam trabalhar com ele e quase ninguém voltava a trabalhar após uma primeira vez. O trabalho foi satisfatório, mas a pergunta nunca foi respondida.

Amanda, no entanto, não se distanciou após o trabalho. Ela era do curso de economia, mas por algum motivo estava ali em biologia. Poucas pessoas deixaram Apolinário confuso como Amanda o deixava. Ela sorria e chorava com muita facilidade. Certa vez num dos momentos de choro, Apolinário perguntou se ela queria ver sua coleção de pelos de gatos imprimidos no solo após atropelamento.

Amanda odiava gatos. Achava injusto que tivessem 7 vidas enquanto ela tinha apenas uma e não muito boa. Geralmente quando reclamava de gatos estava reclamando de sua própria vida. De alguma forma acreditava que se fizesse muito isso, Deus a colocaria no corpo de um gato em sua próxima vida como castigo, mas esse era seu desejo. Ela aceitou na hora.

- Não é estranho que tudo termine em morte?
- Não.

O que aquilo tinha a ver com a coleção, pensava Apolinário. Amanda por vezes surgia com essas conversas. Para Apolinário ela tinha uma obsessão em achar estranheza em coisas naturais. Ela o beijou algumas vezes. Dizia que não se podia ter filhos por beijos. Mesmo assim Apolinário ficava mais tranquilo ao vê-la beijar outras pessoas no final de semana. Nem sempre eram homens, mas pelo menos quando o filho viesse, não poderiam dizer ao certo se era dele.

Apolinário nunca havia notado como sua cama era confortável. Ou talvez as outras pessoas não soubessem escolher camas. Amanda não deveria saber, pois vinha dormir na sua com muita frequência, às vezes durante o dia mesmo. Nessas horas Apolinário gostava se aproximar e observar a ausência de pelos em sua cabeça. Ele não entendia porque ela não a cobria. Parecia querer mostrar algo que não estava ali.

- Não é estranho que tudo termine em morte? – Voltava a perguntar por vezes.
- Não.

Amanda se foi numa terça-feira de carnaval. Sua pergunta nunca foi respondida. Ela lhe deixou um chumaço de cabelo de presente. Queria que Apolinário o colocasse em sua coleção. Pois talvez quando Deus se lembrasse de leva-la, talvez se confundisse e a tomasse por gato.

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