quinta-feira, 9 de maio de 2013

Apolinário

Apolinário. Nome de velho num corpo de criança. Provavelmente se referiam ao seu espírito. Desde os 7 anos gostava de ler autores russos e alemães. Aos 9, escolheu o Fausto de Goethe como obra para ler durante as férias. Chegou a começar a ler sua redação sobre o livro, mas a professora o pediu para interromper. Era um colégio católico, citar como homens se vendem por meros caprichos numa sala de crianças não parecia correto, embora a professora bem que necessitava de alguns caprichos.

Apolinário guardou a redação. O lia toda terça para seu gato que se chamava Gato. História peculiar tinha este nome, pois quando ganhou o bichano, seus pais lhe disseram para olhar para o gato e dizer o que mais se destacava nele. Apolinário simplesmente respondeu ‘gato’, não via nada que se destacasse mais que isso. Seus pais tentaram insistir um pouco mais para que o filho tivesse criatividade. Não deu muito certo. Apenas nomes como ‘focinho’, ‘bigodes’ ou ‘orelhas’, apareceram. Ficou o nome ‘Gato’ mesmo sendo uma fêmea.

Aos 12, após migrar para autores do oeste europeu, Apolinário tirou de um livro que queria ter a morte como esposa. Ficou pensando em formas de tornar isso possível. Casar-se com alguém e depois matar? Não parecia correto, pois se tornaria viúvo e não esposo da morte. Pensou em alguma senhora mais fácil. Má Sorte parecia uma boa opção, mas não se sentia particularmente atraído por ela. Vivia relativamente bem, mas sem luxos; tinha uma gata chamado Gato; tinha orelhas grandes e cabelos negros um pouco revoltados, mas que cediam facilmente ao controle da tesoura de barbeiro. Talvez não conhecesse a Má Sorte bem suficiente para entendê-la melhor. 

Tinha livros. Muitos livros. Seu pai não gostava de ler, muito menos sua mãe, mas para ambos parecia correto tê-los aos montes. Boa parte de sua infância foi ao lado deles. Gostava de pensar que eram parte de si, por mais antigos que fossem. Aos 14, fechou seu último livro e decidiu fazer amigos.

Apolinário não fazia ideia do que constituía amizade, mas achou por certo que tudo começava com conversa. Aproveitou a mudança de escolas para tentar puxar assunto com as pessoas de sua sala que ainda não sabiam de sua personalidade: 

- Hoje vi um gato morto. Estava estourado, pois os carros não se preocuparam em parar de passar por cima dele. 

Decerto esta não é uma das melhores coisas para se dizer em qualquer tipo de conversa. Mas é da natureza humana ser estranho aos 15. Mesmo que você já fosse estranho antes, as pessoas não notariam logo e outras até gostariam da estranheza. Assim Apolinário fez amigos e os desfez aos montes. 

A adolescência o deixou impulsivo. Boa parte do tempo decidia por impulso não fazer nada. Sentava-se com os atuais amigos e ficava simplesmente os ouvindo por uma tarde inteira. Isso por vezes durava alguns dias. Quando finalmente Apolinário respondia algo que fora conversado alguns dias antes. Não gostava de guardar opiniões e parecia ter por regra dá-las nos momentos mais inadequados. Seus professores não mais lhe faziam perguntas fora das provas. Pareciam temer o que poderia ser dito. 

Aos 16, viu sua já velha gata chamada Gato ser atropelada. Passou dias olhando o corpo do bicho imprimido no chão quase como uma tatuagem. Foi quando Apolinário decidiu estudar as ciências biológicas. Após sua fase de leituras, havia decidido que não havia nada dentro da alma humana ou de sua cabeça. Mas dentro do aglomerado de células que constituíam um corpo, parecia haver um universo de coisas a ser descoberto. Gostava da cor de sangue seco no asfalto. Chegou a fazer uma coleção de fotos disso que desapareceu um dia após sua mãe arrumar seu quarto. 

Aos 17 ganhou seu primeiro beijo. Achou que deveria tomar a responsabilidade, mas lhe parecia ser muito novo ainda para ser pai. Ficou mais aliviado quando a viu beijar outras duas pessoas na mesma noite. Não poderiam ter certeza que o filho seria dele. 

Ainda aos 17 entrou na universidade para estudar biologia. Seus pais ficaram aliviados por ele não ter decidido simplesmente ficar em casa após o ensino médio. De certa forma o temiam por algum motivo. Seria sua coleção de pelos de gatos atropelados? Ou talvez sua mania de construir coisas. Vez ou outra via um objeto interessante e logo decidia que precisava fazer um por mais simples que fosse. 

Chegou a fazer um abridor de latas genial. Pena que sua tia teve metade de seu indicador arrancado por ele ao tentar usá-lo. Apolinário não achava necessário jogar o abridor fora, afinal era inocente. Culpada fora a tia por não saber usá-lo. Apolinário tentou negociar o pedaço de dedo em troca de jogar fora seu abridor, mas antes que pudesse vencer o argumento, o pedaço já estava reimplantado. Aquela tia nunca mais os visitou. 

Aos 19, Apolinário conheceu Amanda.

3 comentários:

Anônimo disse...

O texto é autoral?
Por que se for, começo a ter medo de tu!

Rafael Sotero disse...

Meus textos são sempre autorais, seu feio. Quando não é uso aspas.

Unknown disse...

More, i want more.