sábado, 26 de abril de 2008

Catota

Pré: é um conto que acabei fazendo para não dormir quando estava sem pc e sem vida social. Não esperem nada de bom.

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Catota nasceu numa família pobre que morava num bairro pobre. Logo cedo viu que a voda não lhe seria fácil. Seu pai foi preso e sua mãe lhe deu mais sete irmãos. Teve que trabalhar pedindo esmola para sustentar sua família quando sua mãe adoeceu. Ainda assim era obrigado a ir na escola para dormir por algumas horas. Tudo para não perder o benefício do governo. Aos doze, conseguiu um empréstimo de um garoto da ONG de seu bairro. O garoto ONG deu o dinheiro para Catota comprar um caderno de estudos. Catota usou a oportunidade para empreender seu primeiro investimento financeiro: um sacão de pipocas. Pode não ter estudado nem ser inteligente, mas com aquele saco Catota aprendeu um lição ao abrir falência: pipoca não é empreendimento. Pobre Catota, o garoto ONG deu dinheiro para todas as crianças do bairro que compraram pipocas. Pobre Catota, se tivesse comprado um caderno poderia vendê-lo para ajudar a família.

Um dia sua sorte iria mudar. Essa era uma certeza que sua mãe tinha. E não se enganem, a mãe de Catota não era mulher de ter certezas. Ela aprendeu desde cedo que pobre não pode ter certezas. Mesmo assim tinha duas: ela própria não teria futuro e Catota teria algum futuro. A primeira certeza veio quando ela nasceu. A segunda veio quando ela pegou se filho comendo catota para passar a fome. Nenhuma outra criança da favela fazia aquilo. Assim não era difícil perceber que Catota era especial. Também não era difícil perceber como ele ficaria conhecido. Para a mãe de Catota certezas eram coisas simples e perceptíveis logo de cara. Talvez por isso ela não tivesse tantas certezas. Pobre mulher, nunca pensou que o futuro do filho poderia pior que o seu próprio. Pobre mulher, não foi dotada de inteligência, fortuna e sorte.

Na verdade, a mãe de Catota tinha sim alguma sorte. Morreu sem ver a cara de tristeza de seus sete filhos. Mulher de sorte, nem viu o espanto de Catota, que aos dezoito anos se viu órfão, pobre, preto, feio, virgem, fudido e precisando cuidar de sete irmãos. Falando assim, parecem ainda maiores, mas não seriam suficientes para espantar Catota. Afinal todos sempre existiram, a exceção de um, claro. O que preocupava era como levar seus sete irmãos devolta para o barraco. Foi um primo distante, daqueles que de parentesco só restou a pobreza, que levou os irmãos para o cemitério público. Depois ele seguiu estrada para nunca mais dar as caras. Antes de partir fez um gesto de nobreza, provavelmente o único de sua vida, e deu um dinheiro para ajudar nas despesas. Pena que aquele dinheiro nem desse para a passagem de volta. Pobre primo distante, só quis ajudar. Pobre primo distante, mal sabia que Catota lhe seria eternamente grato por um tempo.

A mãe de Catota era mulher alguma religião. Como alguma não é algo definido, nem os espíritos podem dizer para onde ela foi. Uns dizem que ela reincarnou em alguma branca sueca pobre. Outros já dizem que ela virou uma estrela que brilha sobre a favela. Há sempre aqueles que dizem que alma de pobre só sobe aos céus. Mas houve um, só um, que achava que o espírito da mãe de Catota tinha virado uma brisa, daquelas que trazem bons e maus presságios, ou que pelo menos nos dizem para sair de guarda-chuva. Alheio a todo esse debate espectral, Catota decidiu fazer alguma coisa daquele dinheiro. Acabou experimentando sua primeira certeza: não compraria um sacão de pipocas. Foi então que uma brisa soprou e seguiu até a loteria. Essa brisa iniciou uma grande discussão semi-devastadora entre os espíritos que só foi resolvida quando todos concordaram em voltar a discuti-la no próximo congresso dos espíritos de origem/destino indefinidos que acontece em Agosto. Catota desconhecia sinais e muito mais. Ele se achou muito esperto por arriscar toda sua fortuna num só bilhete. Pobre Catota, passou fome por ter gasto aquele dinheiro. Pobre Catota, ganhou e nem sabia o quanto valia doze milhões.

Pode até não parecer, mas doze milhões é realmente muito dinheiro para uma pessoa só. É mais do que alguém que trabalhe a vida inteira vendendo pipocas pode conseguir. A não ser que você seja um rei das vendas de pipoca. Doze milhões parece saldo de balança comercial que se vê na tv; ou então custo de obras desnecessárias do governo. O governo saberia como gastar aquele dinheiro, Catota não. Pensou em comprar pipocas, mas se lembrou da última falência. Pensou em colocar os irmãos para estudar, mas se lembrou do próprio estudo. Pensou em doar para a Igreja, mas se lembrou que ela só pegaria 10%. Catota acabou se lembrando de algo que deveria ter feito no passado quando teve dinheiro. Gastou cada centavo do que tinha em cadernos. Pobre Catota, mal sabia o que estava fazendo. Pobre Catota, não tinha noção do quanto valia doze milhões nem da quantidade que seria isso em cadernos.

Sem ter idéia do que tinha feito, Catota começou a vender cadernos. Os primeiros compradores foram os garotos das ONGs; aparentemente eles realmente usavam cadernos, Catota nem imaginava como. Os segundos compradores foram donos de papelarias; esses vieram reclamando do preço, da qualidade, do governo, da concorrência e da safra de trigo. O terceiro comprador foi o governo, que chegou acusando Catota de monopólio, dumping e formação de quadrilha. Os cadernos foram confiscados para o bem público e Catota foi indiciado criminalmente. Pobre Catota, perdeu tudo antes de ter noção de quanto tinha. Pobre Catota, experimentou sua segunda certeza: nunca seguir conselhos de garotos de ONGs.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Coitados

Acabei ficando com pena desses hackers aqui. Ser obrigados a ler Sagarana e Vidas Secas e além de tudo fazer um resumo de dez páginas me parece um tratamento desumano a qualquer um. Antes a cadeia ou o trabalho social com os meninos das favelas.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Botchan

Toda universidade pública tem locais obscuros onde seres estranhos habitam. No caso da UFPE, a Biblioteca Central é o lar destes seres (dizem que seres mais estranhos habitam no centro de artes. Até agora ninguém são voltou para contar a experiência). Nesta biblioteca os livros estão em tal estado de abandono que poderiam ser considerados seres vivos pela quantidade de fungos que neles habitam. Além disso, famílias inteiras de ácaros vagam por aquela terra santa.

Foi andando por lá para matar o tempo que achei uma pérola. Um livro novo que brilhava na prateleira chamou minha atenção. Em três segundos percebi que ele ia ser roubado, pois alguma anta pública colocou a tarja magnética na contra-capa removível. No quarto segundo me surpreendi, pois o prefácio comparava esse livro as Aventuras de Huckleberry Finn e a Catcher in the Rye. Saí de lá feliz com o livro.

Ainda assim, o autor era um japa e isso sempre me dá a sensação de que vai sair algo semelhante a anime, mesmo que a obra tenha sido escrita em 1902. Botchan conta a história de um jovem revoltado que por sua própria porra-louquice acabou como professor de matemática em um lugar perto do fim do mundo onde se mete em muita confusão causada por pessoas sem moral e noção de honra (macacos do interior, na sua própria definição).

O primeiro capítulo do livro é genial. Lá Botchan apresenta toda sua capacidade de se meter em confusão e também sua honra em assumi-las. Nada de sair se escondendo por ai ou fingindo que não fez nada. Quando ele se forma e sai de Tóquio, Botchan passa a ter que conviver com pessoas dissimuladas e covardes no interior do Japão. Não pude deixar de pensar em Ayn Rand com seu mundo dominado por saqueadores morais. Natsume Soseki coloca Botchan contra o sistema, mas é impossível de levar o protagonista a sério. Suas brigas e seus protestos são tão infantis quanto a cara de pau dos outros. E assim ele segue sem perceber um palmo diante de seu nariz e agindo sem pensar.

As vezes parece que o autor quer mostrar o Japão em transição do feudalismo fechado para um império mundial. Botchan parece um samurai com 100% de honra e nenhum neurônio e todo o resto é rato capitalista querendo perverter o sistema. No fim das contas o autor só queria contar uma história de um professor falando mal dos alunos e mostrar que aquele tal 'futuro da nação' não passava de um bando de arruaceiros.

Não vai emocionar nem fazer alguém mijar de rir, mas vale a leitura. Até porque daqui a alguns dias seremos nós a falar mal da juventude.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Peter Pan

Esta obra de J. M. Barrie é um belíssimo conto de fadas... Eu deveria parar por aqui, mas ia ficar com a sensação de post desperdiçado. O que me faz sentir que não precisaria dizer mais é o fato deste livro ter uma interpretação muito pessoal. Isso é completamente óbvio, mas é que ele acaba fazendo a gente refletir sobre diversos temas não relacionados diretamente com o livro. É o popular abaixar o livro e olhar perdido para cima em algum outro pensamento completamente aleatório.

Nisso ele me lembra O Pequeno Príncipe. Não por causa de todo aquele lero-lero emocional e bonitinho, mas pela capacidade de propor ou tecer reflexões de acordo com nossa vivência. Quem o ler com 15 anos, vai ter uma interpretação diferente de quem o lê com 20 e assim por diante. Creio que só lá para os 40 ou 50 é que se pode ter uma interpretação plena da obra (mas se você interpretou e deduziu tudo que está lá escondido antes, então você é uma pessoa velha e convencida).

Peter Pan é um conto de fadas por natureza (dã). Mas basicamente ele narra as aventuras de Wendy e seus irmãos em Neverland (Terra do Nunca, todo mundo com mais de 18 anos lembra). Neverland é uma terra real apenas para seus habitantes, mas recebe sempre a visita imaginária de todas as crianças que sonham. Não é preciso dizer que lá há um espaço para todo tipo de magia.

Peter Pan é alma de Neverland. Ele é a personificação de todas as crianças. De todas as suas aventuras, coragem, dúvidas, medos, criatividade e por ai vai. Mas a principal qualidade de Peter (além de não envelhecer e de voar) é a sua arrogância. É nela que está toda sua força e é por ela que todos são atraídos. E não como dizer que arrogância é uma parte fundamental da infância? a diferença é que Peter era arrogante porque ele tem plena confiança em tudo que faz e realmente consegue fazê-lo. E lá temos a criança perfeita.

Mas o que me surpreendeu não foi nenhuma das crianças, mas sim o Capitão James Hook (Gancho, dã). Amargurado, medroso e vingativo. O cruel pirata que no fundo só parecia querer ser criança. Ele tenta conversar algumas vezes com seus homens, mas estes parecem burros demais para entendê-lo. Tadinho dele. Deu até vontade de assistir Hook de novo e desta vez torcer pelo capitão.

Há algo que não pode deixar de ser dito. Apesar de ser um livro fabuloso, esta é uma fábula para garotas. Mas isto não é exclusivo. Essa orientação vem da narradora Wendy que consegue ser com Peter irmã, amiga, namorada, esposa e mãe. Mas Peter só admite crianças como mães. Assim que sua atual mãe cresce, ele logo a esquece e procura outra. E é assim que no final Peter vira a própria infância. O que me leva a pensar em assistir Hook novamente: 'e se Peter Pan crescesse?'.

Enfim, admito que o livro ainda me faz pensar num monte de besteiras aleatórias. Mas é um livro realmente belo e empolgante. Uma leitura para uma vida inteira.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Espaço Público

Após ler um pouco a constituição e observar o funcionamento de uma Assembléia Legislativa cheguei a uma conclusão bem simples: Toda Assembléia é um Diretório Acadêmico. Isso acontece porque ela é praticamente impedida de legislar sobre qualquer besteira porque o Congresso e o Senado já são responsáveis por tudo nesse país.

Só para não dizer que não fazem nada: eles tem que aprovar os planos-plurianuais e orçamentos do governo todo ano. Isso consiste em ouvir o Secretário da Fazenda por horas sem fim até alguém dizer: "chega! vamos jantar". No mais, só ficam levantando discussões sabe-se lá o por quê.

Mas o que é realmente pior nisso tudo é o nível das discussões. Audiências públicas são montadas somente para quem é a favor do que está sendo discutido. Houve uma bem legal que era sobre presídios femininos e os riscos que os filhos de almas sebosas corriam lá dentro. Ai do nada aparece uma dessas figuras feministas e racistas negras que dizia que deveria ser estudado com atenção o caso das mães negras e dos filhos negros (porque branco não precisa de nada). Ou então, quando se discute a questão de pesquisas com células tronco só chamando pesquisadores. Ou a questão do açúcar e do álcool só com a presença de plantadores de cana.

Tudo observando o mesmo critério de diversidade de opinião presentes nos diretórios acadêmicos.

Mas é nos encaminhamentos que uma Assembléia fica igual a um DA, pois após horas de discussão, alguém percebe que não há nada a ser feito e simplesmente nada acontece. Até porque não se aprova nada em audiência. É só um espaço, hã, para o povo falar. Muito útil por sinal.

Mas ok, Assembléias podem conceder título de cidadão! Sempre a pessoas muito importantes para o estado, como Fernando Henrique Cardoso é para, hã, Pernambuco.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Rebels on the Air

Qualquer livro técnico, ou que trate de algo mais ou menos acadêmico, ou que simplesmente trate da história de alguma coisa, é chato, certo? Sim. Mas temos que observar qual história seria essa primeiro (óbvio). E se o livro tiver capa vermelha, estrelas e um nome de música punk ou metal melódico então há que se ter algum receio.

Por sorte, Rebels on the Air só me parece nome de banda punk ou música de metal. De resto, Jesse Walker apenas se propõe a conta a 'história alternativa do rádio na América [do Norte]'. É o tipo de coisa que um aluno barbudo de comunicação usando roupas velhas faria. Mesmo assim é surpreendentemente muito bom (apesar disso ainda acho que ele deve ser um coroa, barbudo, de camisa de banda preta do Scorpions ou do Iron Maiden).

Ele narra o surgimento da rádio nos EUA e como os amadores foram os pioneiros do espectro. Esses amadores eram verdadeiros 'exploradores do éter'. E ao final da Grande Guerra conseguiram dobrar a marinha (que aspirava pelo monopólio do espectro nacional) ao mostrar que eles eram muito mais capazes que os técnicos treinados pelo exército. Eram tão mais capazes que até aprenderam a explorar comercialmente aquele novo espaço real.

O autor também fala das evoluções técnicas do rádio e de como o FM foi descoberto por acidente por meio do popular 'atirar no que viu e acertar o que não viu'. E também de todas as brigas que a FCC gerou com o sistema de concessão tão bizarro quanto o brasileiro.

Mas a real defesa que Walker faz do rádio é a criatividade. Ele constata que a liberdade e a criatividade são coisas juntas e por as rádios alternativas e piratas conseguiram ir da genialidade a podridão. E esse tipo de coisa só aparece quando a liberdade é total. O curioso é que assim ele acaba defendendo todo tipo de rádio: hippies, yuppies, niggers, revolucionários, latinos, judeus ortodoxos, todos deveriam ter a sua parte no espectro dar asas a suas imaginações por mais bizonhas que elas venham a ser (os exemplos provam que isso pode ser realmente bizonho).

Depois ele entra numa parte desnecessária e desatualizada. Fala de liberdade de um lado mais político. Ataca o então senador McCain que estaria sendo um grande problema para as pequenas rádios. E fala de podcasts, rádios digitais e a internet como um novo retorno ao tempo dos amadores.

Eu não queria dizer isso, mas o livro é de fato um relato apaixonado sobre o rádio e é bom de ler até para quem não gosta de rádio (como eu, por exemplo).