sábado, 18 de novembro de 2006

Conto meu!

Acendo um cigarro. Droga, lembro que não fumo. Apago o cigarro. Tenho uma leve impressão de que esse não é um bom começo para qualquer história, mas penso que é minha história e ninguém pode dizer se é bom ou ruim, pois são apenas fatos. O que importa é que eu estava lá, sem cigarro, a espera de algo muito importante que poderia mudar toda minha vida. Foi quando eu finalmente a vi...

Quando foi que tudo isso começou mesmo? Acho que foi ontem, quando o meu envenenado Fusca de Itamar me deixou na mão e me forçou a voltar de ônibus; não sem espernear um bocado com o cara do reboque (vagaroso), com o corretor de seguros (enganoso) e com a mulher do 0800 (gostosa, pela voz) da seguradora (onerosa). Eles parecem não gostar de carros jovens nas suas contas, preferem sempre os bebês. Uma alusão clara a pedofilia que ocorre diariamente na frente de todo mundo que simplesmente aceita isso como se fosse normal (e talvez fosse até hoje caso algum inglês não passasse a achar pedofilia uma falha moral).

Mas enfim, estava no ônibus, por causa de alguma falha no Fusca de Itamar que o cara da oficina tentou levar a proporções épicas. Imaginar problemas no meu Fusca de Itamar me levou a imaginar uma metáfora de uma muralha de Tróia com um buraco no mínimo imenso para os gregos passarem. Certamente eu estava sendo enganado. Eu acendo um cigarro. Droga, lembro que não fumo. Apago o cigarro. Olho para ele e digo: “Você está me enganando, colega. Mas eu já percebi”. Ao que ele respondeu: “Mas o que é isso, doutor. Aqui o nosso trabalho é muito sério. Em uma semana o carro vai estar zero quilômetro!”. “Não quero saber se ele vai estar zero quilômetro. Quero apenas saber a falha que ele têm”. “Isso a gente só vai saber quando olhar o carro”. “Então por que diabos você me promete que o carro vai estar pronto próxima semana?”. “É a experiência”. Desisto, pelo menos eu só vou pagar a franquia mesmo. Pego um cigarro, mas lembro que não fumo antes de acendê-lo. Sorrio. Estou ficando esperto.

Atravesso a rua e vou para a parada dos ônibus. Há um ano eu não sabia mais o que era isso, desde que comprei meu Fusca de Itamar em algum leilão. Engraçado, agora não consigo me lembrar se era legal ou ilegal. Mas devia ser legal, pois veio com o seguro junto. Ou teria sido com o estepe junto? Não importa, o ônibus chega arrastando uma multidão que produz uma pequena visão do inferno na subida, na catraca e dentro dele. Felizmente consigo encontrar dois lugares próximos para por os pés. Mesmo assim um tristeza me abate naquele lugar. Acho que era sono ou fome. Pego um cigarro, mas lembro que não se pode fumar em ônibus.

Mas foi ali em meio aquela tristeza e a uma nuvem de braços que eu a vi pela primeira vez. Pensei ter me enganado, pois a vira de relance. Mas uma brecha entre as nuvens de braços deixou que ela a disposição de minha vista, tal como um sol. Para minha infelicidade, não havia paradas próximas e o ônibus se afastou dela com rapidez. Pensei em murchar, mas não. Não dessa vez. Eu iria buscá-la amanhã. Neste mesmo local, nesta mesma hora.

Desço do ônibus. Acendo um cigarro. Droga, lembro que não fumo. Apago o cigarro. “Amanhã” Digo a mim mesmo e lembro de uma música de Chico que falava da ditadura. Mas só conseguia pensar nela. Pego outro cigarro, mas não acendo, pois estava finalmente em casa.

... e lá estava eu, à espera dela enquanto ela vinha pela calçada em minha direção. Pensei que se meu Fusca de Itamar não tivesse quebrado eu não estaria ali. Provavelmente estaria em casa fumando. Mas lembro que não fumo, então devo estar pensando em bobagens. Ela estava próxima agora. Tão próxima que acho que poderia até sentir o cheiro. Preciso parecer bem agora. Acendo um cigarro. Droga, lembro que não fumo. Apago o cigarro. Agora é só sorrir...

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